24 dezembro, 2010

Doces lembranças

One-shot de Natal


Doces Lembranças

A manhã já havia nascido há algumas horas, o que era mais do que natural. Uma borboleta perdida voava perto de algumas flores, no jardim. E um menininho observava tudo, mudo e atento.
Os olhinhos castanhos não deixavam escapar nada e transpareciam toda a inocência que uma criança poderia ter, ainda que tivesse aquele mesmo ar brincalhão e atrevido, como se armasse mais um de seus planos infantis e sapecas.
Seus cabelos que costumavam ficar verdes, agora estavam castanhos, sem vida, sem cor.  Era cedo demais para o menino estar ali, fora do conforto de sua cama, mas para ele, não fazia diferença. Não conseguiria voltar a dormir de qualquer modo...
– Ted! – uma voz feminina viera de dentro da casa, chamando-o.
O menino olhou para dentro da casa, onde a avó estava e, em seguida, deu uma última olhada para fora, onde a neve dominava o ambiente. A borboleta já não existia e as flores que imaginara ainda não haviam nascido. Não havia nenhuma grama verde, mas um extenso cobertor feito de neve. Ali fora estava apenas o inverno, fitando-o.
Ted suspirou e saiu da varando e entrou na casa.
– Sim, vovó? – ele falou, encontrando-a na cozinha.
– O que estava fazendo lá fora? Está um gelo! – Andrômeda exclamou, preparando o café da manhã.
Seus cabelos tão negros estavam já com alguns fios grisalhos e algumas rugas se destacavam em sua expressão cansada.
– Nada. – Ted respondeu, sentando-se em sua cadeira.
O menino deixou a cabeça apoiada num braço e este, sobre a superfície da mesa. Acabara de assumir um ar pensativo, como se duelasse consigo mesmo em uma torturante guerra mental. 
“Talvez... talvez eu esteja certo” ele pensou.
– Hoje iremos para a Toca... seu padrinho me pediu para te levar lá... – a mulher falou enquanto a água fervia.
Ela agitou a varinha e o pão foi cortado em pedaços menores. Com outro floreio o copo de Ted encheu-se de leite.
– Vovó... por que o natal existe? – Ted perguntou repentinamente.
A pergunta o atormentava há dias e fazê-la era uma necessidade quase que vital.
– Que pergunta é essa, Ted? – a bruxa contestou, não sabendo o que responder para o neto, nem qual seria a melhor resposta – Ele existe porque existe, oras.
– O padrinho disse que é uma festa cristã... mas eu não entendo. – O menino continuou. – Se o natal existe, por que o Papai Noel e as renas não?   
Andrômeda viu-se numa enrascada. Não sabia a resposta para aquela pergunta, tampouco algo que fizesse Ted parar com suas perguntas rotineiras. 6 anos, a fase dos “Por quês?”.
Mas então lhe ocorreu algo.
– E como você sabe que não existe? – a mulher contestou, querendo que tivesse pegado o menino desprevenido sobre uma questão como aquela.
Ted, para sua surpresa, abaixou os olhos para a mesa, fitando seu pão com geléia, hesitante. Era como se ele sentisse vergonha de sua resposta. Mas ainda assim respondeu, sem fitar a avó.
– No ano passado eu pedi um presente para o Papai Noel. – Ted falou, a voz ligeiramente aguda.
Andrômeda olhou o neto com mais atenção, talvez tentando entender o que estava passando por aquela cabecinha castanha. Diferente dos outros dias, o menino estava quieto demais, pensativo demais. Não era ele mesmo. Entretanto, antes que pudesse acrescentar algo à conversa, a chaleira começou a fazer barulhos e ela a retirou do fogo, terminando de preparar o café.
De volta à mesa, a bruxa retomou o ponto onde parara.
– E o que você pediu para ele?
Ted novamente hesitou e ocupou-se com seu café da manhã.
– Ted? – a mulher insistiu.
– Pedi um snap explosivo – o menino falou e terminou de comer.
Levantou-se apressado e subiu as escadas, indo direto para seu quarto.
E Andrômeda soube, Ted Lupin estava mentindo para ela.

:::  :::

– Gui e eu estávamos pensando em ir para a France, mas Victoire quis ficar com a Senhorra Weasley, entan resolvemos ficarr aqui, non Gui? – Fleur Delacour falava animada com Hermione, enquanto os maridos de ambas conversavam e mal prestavam atenção às mulheres.
Hermione Granger apresentava uma barriga proeminente e estava radiante com sua gravidez.
Um pouco longe das mulheres estavam duas crianças brincando animadas. Uma garotinha pequena e um menino esperto.
– Este ano pedi um monte de doces de Natal – uma menininha ia falando, os cabelos dourados destacando-se cada vez mais – E uma boneca linda que eu vi! Acha que o Papai Noel vai trazer para mim? – Victoire perguntou animada.
Seus olhinhos azuis traziam uma esperança genuína e infantil.
– Ele não existe, Vick. – Ted falou enquanto comia algumas guloseimas que os dois roubaram da cozinha sem que a Senhora Weasley os visse.
– Você está mentindo! – a menina falou.
Com apenas quatro anos Victoire mostrava-se inteligente, e era tão falante e bela quanto a mãe, mas demonstrava naquele momento, uma profunda irritação quanto ao que o amigo falara.
Mas antes que os dois entrassem em uma discussão sobre quem estaria certo, um Harry surgiu atrás deles. Os olhos verdes estavam atentos e sobre caíram primeiro no afilhado.
– E por que ele não existe, Ted? – o moreno perguntou.
Gina estava ao lado dele com Tiago dormindo em seus braços. O bebezinho tinha um cabelo ruivo ralo e aparentava estar no mais profundo e doce sonho.
Por outro lado Teddy viu-se mais uma vez frente aquela pergunta. Não via uma razão para responder, mas também se sentia muito melhor para falar sobre aquilo com o padrinho do que com sua avó.
Estava numa encruzilhada. E todos olhavam para ele.
– Por que ele não existe. – Ted falou revirando os olhos e correu deles, indo para fora da casa e encontrando o frio.
Não queria mais falar daquilo. A única certeza que tinha era que Papai Noel era uma lenda. Não havia trazido seu presente. E também não descera por chaminé alguma.
Mal pensara isso, Harry abriu a porta e ficou ao lado dele, não falara nada, tampouco exigiu uma resposta do menino.
E Teddy ficava mais tentado ainda a falar.
Por fim fora Harry quem quebrou o silêncio.
– Não deveria estragar as fantasias de Victoire. – Harry falou sorrindo – Ela é mais nova, Ted, e não entende certas coisas.
Ele tinha razão, mas Ted ainda não via motivos para crer em algo irreal.
– Quem que te falou aquilo? – o moreno voltou a perguntar.
– Ninguém. – Ted respondeu. – Eu pedi um presente. E ele não me deu.
Sua voz continha certa mágoa e ressentimento, que não passaram despercebidos por Harry.
– E o que é que você pediu?
O menino poderia ter ficado irritado com essa pergunta novamente, no entanto não ficara. Queria dizer ao padrinho tudo, não só porque ele o entendia, mas também porque era quase um pai para ele.
– Eu pedi a mamãe e o papai de volta. – Teddy Lupin falou.
O moreno não alterou sua expressão, embora seu olhar tenha ficado ligeiramente mais suave.
Porque a verdade era apenas uma.
Teddy era feliz, mas estava crescendo sem a presença dos pais, assim como ele próprio. Mas diferente de Harry, Teddy tinha sua avó, tinha um padrinho e amigos. Uma família.
Entretanto, ainda assim, sentia algo faltando.
– Teddy... – Harry começou – Acho que todas as crianças como você já desejaram isso – O moreno falou. – Não. Crianças como nós desejam isso.
O menino olhou para o homem e viu-se nos olhos de Harry Potter. Este se abaixou na altura de Teddy, um joelho no chão, outro dobrado. Fitou o menino demoradamente.
–Eles não vão voltar – Harry falou.
Sua voz estava quase quebrada, um bolo crescia em sua garganta e o menininho tinha agora os olhos brilhantes. Sabia daquilo, mas ouvir dito em voz alta era como uma sentença. Antes parecia somente uma teoria, agora era um fato. Que nunca mudaria. Era como uma estocada de uma espada em seu corpo frágil. Um choque de gelo sobre um corpo quente.  
–Eu e sua avó já conversamos com você, não é?
–Sim... eles morreram lutando. – Ted falou, como se já tivesse dito e ouvido aquilo mil vezes.
– Lutando por você, para que pudesse viver melhor do que eles viveram.
Os cabelos castanhos ficaram um tom mais claro, mas nenhum dos dois percebeu isso.
– Eu só... queria vê-los. – Ted falou, agora aceitando melhor que não os teria jamais.
Harry não sabia o que fazer. Sempre tivera a consciência de que esse dia chegaria, mas naquele momento não fazia ideia de como encarar a situação.
Internamente sempre fora como o menino, desejando que os pais voltassem. Vira-os no espelho Ojesed. Vira seus fantasmas saírem pela varinha de Voldemort naquele cemitério horrendo. E vira-os também depois de girar a Pedra da Ressurreição três vezes em sua mão. E inclusive, naquela ocasião, vira Lupin.
Era uma opção, mostrar o pai para o pequeno Ted.
Mas ao mesmo tempo seria doloroso para o menino.
Fantasmas devem permanecer no passado e nas lembranças.
E Harry lembrava-se de seu último encontro com Remo Lupin.

–Eu não queria que você tivesse morrido – disse Harry, as palavras saindo involuntariamente. – Nenhum de vocês. Sinto muito...
Ele se dirigia mais a Lupin do que a qualquer dos demais, súplice.
–... logo depois de ter tido um filho... Remo, sinto muito...
–Eu também sinto. Lamento que nunca chegarei a conhecê-lo... mas ele saberá porque morri, e espero que entenda. Estive tentando construir um mundo em que ele pudesse viver uma vida mais feliz.
(Relíquias da Morte, p. 543)

Harry decidiu-se por si próprio vê-los naquela noite. Precisa daquele apoio. E agora a Pedra estava perdida em algum ponto na Floresta Proibida. Mas ainda que a tivesse em mãos, não permitiria que Teddy a usasse para vê-los, por um simples segundo que fosse. Seria doloroso demais e triste. Não ajudaria a substituir aquela sensação de perda, apenas a aumentaria. Precisava somente fazer o menino entender, o que provavelmente já havia acontecido.
–Você parece com eles mais do que imagina. – Harry falou. – Na verdade parece muito mais com Tonks. Ela era desastrada e super animada, eu nunca conheci alguém como ela.
Teddy estava novamente com os olhos brilhando, mas agora era de excitação. E Harry interpretou isso como uma permissão muda para continuar a falar sobre os pais do menino.
–Ela gostava de deixar a cor dos cabelos rosa... eu lembro como se fosse ontem. Ela era auror a propósito e seu mentor era Olho-Tonto Moody. E ela odiava que a chamassem de Ninfadora.
–E o papai? Como ele era?
–Remo era incrível... foi um dos melhores professores que eu já tive. E foi ele quem me ensinou a conjurar meu patrono.
–E você vai me ensinar a fazer isso? – Ted perguntou.
–É claro... quando você tiver idade para fazer magias – o moreno falou e Ted fechou a cara, querendo visivelmente aprender o feitiço logo.
–Ele era amigo do meu pai – Harry continuou – E foi quem me contou várias histórias dele e dos marotos.
O menino, que antes estava deprimido, agora parecia realmente interessado em ouvir o padrinho, mas ao fim daquela noite não havia se esquecido de que aquilo tudo eram lembranças. Doces lembranças que não voltariam no tempo.
E Harry tinha ciência de que ainda que o menino se sentisse mal por isso, um dia ele conseguiria falar deles sem a costumeira mágoa.
Mas nunca sem sentir um vazio no corpo. Isso nunca desapareceria.
Gina viera chamá-los para o jantar, que estava pronto.
Harry entrou, esperando que Teddy o acompanhasse, mas o menino continuou ali.
–Não demore, Teddy. – Harry falou e desapareceu para dentro com Gina.
O menino olhou para o céu. Seus cabelos perderam completamente o tom castanho, estavam agora verdes, vivos e lindos. E antes de entrar na casa também, murmurou algo, baixo, mas ainda assim compreensível.
–Feliz Natal, mamãe e papai.     

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